Minha
intenção com este texto não é tomar as selfies
como o tema central, mas emprestá-las como introdução para pensarmos sobre o
uso (e o abuso) das nossas imagens que oferecemos ao mundo. O que nelas contém
de essencial? Até que ponto é salutar expor em público nossa privacidade? “Maquiar”
a imagem que expomos ao mundo é obrigatoriamente ruim, falso ou sintomático? Estas
questões nos levam a alguns dos conceitos centrais da Psicologia Junguiana: os arquétipos
de persona
e sombra.
A
persona diz respeito à parte em nós
que nos “vende”, são os aspectos necessários para nosso convívio social. É uma
função adaptativa do ser humano, o que nos torna capaz de viver em sociedade. Ela
não é necessariamente boa ou ruim. Tudo depende do uso que fazemos de nossas “máscaras
sociais”. Precisamos dela para nos harmonizarmos nas diversas situações da
vida: trabalho, comunidade, relações menos próximas. Porém, em tempos de redes
sociais, a persona tem ganho contorno mais fortes, com espaços cada vez mais
amplos. Neste sentido, a persona, que deveria ser um “instrumento” do sujeito,
do qual ele teria “controle” sobre seu uso, passou a dominar a consciência e
atitudes do indivíduo. Persona e ego unificam-se, constelando um falso eu. “Sair bem na foto” nunca foi
uma metáfora tão propicia para a revelação de um sintoma social como hoje, em
tempos de selfie!
A
persona se torna tóxica, quando ela esconde de si mesmo aspectos importantes da
personalidade, as quais se acredita inadequadas para o corpo social. Deste modo,
muitas dessas características são rebaixadas para uma camada inferior da
consciência, conhecida como sombra.
A
sombra é a parte da psique que guarda
conteúdos considerados inadequados para a consciência. Comporta características
que o indivíduo esconde não apenas do coletivo, mas principalmente de si mesmo.
São qualidades julgadas como inferior, sem valor, vergonhosa ou primitiva,
configurando assim, a parte obscura da personalidade.
Manifesta-se
primordialmente na experiência e no contato com o outro,
a princípio, em
forma de projeção (o que eu não gosto
ou não aceito em mim eu enxergo no outro). A sombra se revela também nas
alterações de humor, nos atos impulsivos, nas expressões e sintomas corporais.
Tudo o que se escapa da atitude consciente. Ou, tudo aquilo que “trai” o
próprio sujeito.
Jung defende
que o encontro com a sombra é etapa fundamental para o processo analítico. Em suas
palavras, “não há desenvolvimento se não aceitarmos a sombra” (Jung – Os
Arquétipos e O Inconsciente Coletivo).
Por fim, no
reconhecimento e acolhimento da pluralidade que habita dentro de cada um, o
individuo tem a chance de não mais precisar se esconder e se evadir nas suas
armadilhas psíquicas, mas de poder se apropriar do que é mais autêntico em si,
abraçar os elementos da sua alma, a
matéria prima da sua psique. Alma,
para a Psicologia Junguiana, é o nome que traduz o movimento mais profundo da
psique enfatizando
sua pluralidade, sua variedade e impenetrabilidade em contraste com qualquer
padrão, ordem ou significado ali percebidos (Andrew Samuels – Dicionário Crítico de Análise Junguiana).
O homem em poder de
sua alma pode até tirar uma selfie,
mas não mais se perderá na imagem alí refletida.
Alessandra
Munhoz Lazdan
Psicóloga
CRP 06/69627