segunda-feira, 13 de agosto de 2018

“Sair bem na foto”: de metáfora para sintoma (Persona, sombra e alma)


Minha intenção com este texto não é tomar as selfies como o tema central, mas emprestá-las como introdução para pensarmos sobre o uso (e o abuso) das nossas imagens que oferecemos ao mundo. O que nelas contém de essencial? Até que ponto é salutar expor em público nossa privacidade? “Maquiar” a imagem que expomos ao mundo é obrigatoriamente ruim, falso ou sintomático? Estas questões nos levam a alguns dos conceitos centrais da Psicologia Junguiana: os arquétipos de persona e sombra.
A persona diz respeito à parte em nós que nos “vende”, são os aspectos necessários para nosso convívio social. É uma função adaptativa do ser humano, o que nos torna capaz de viver em sociedade. Ela não é necessariamente boa ou ruim. Tudo depende do uso que fazemos de nossas “máscaras sociais”. Precisamos dela para nos harmonizarmos nas diversas situações da vida: trabalho, comunidade, relações menos próximas. Porém, em tempos de redes sociais, a persona tem ganho contorno mais fortes, com espaços cada vez mais amplos. Neste sentido, a persona, que deveria ser um “instrumento” do sujeito, do qual ele teria “controle” sobre seu uso, passou a dominar a consciência e atitudes do indivíduo. Persona e ego unificam-se, constelando um falso eu. “Sair bem na foto” nunca foi uma metáfora tão propicia para a revelação de um sintoma social como hoje, em tempos de selfie!
A persona se torna tóxica, quando ela esconde de si mesmo aspectos importantes da personalidade, as quais se acredita inadequadas para o corpo social. Deste modo, muitas dessas características são rebaixadas para uma camada inferior da consciência, conhecida como sombra.
A sombra é a parte da psique que guarda conteúdos considerados inadequados para a consciência. Comporta características que o indivíduo esconde não apenas do coletivo, mas principalmente de si mesmo. São qualidades julgadas como inferior, sem valor, vergonhosa ou primitiva, configurando assim, a parte obscura da personalidade.
Manifesta-se primordialmente na experiência e no contato com o outro, a princípio, em forma de projeção (o que eu não gosto ou não aceito em mim eu enxergo no outro). A sombra se revela também nas alterações de humor, nos atos impulsivos, nas expressões e sintomas corporais. Tudo o que se escapa da atitude consciente. Ou, tudo aquilo que “trai” o próprio sujeito.
Jung defende que o encontro com a sombra é etapa fundamental para o processo analítico. Em suas palavras, “não há desenvolvimento se não aceitarmos a sombra” (Jung – Os Arquétipos e O Inconsciente Coletivo).
Por fim, no reconhecimento e acolhimento da pluralidade que habita dentro de cada um, o individuo tem a chance de não mais precisar se esconder e se evadir nas suas armadilhas psíquicas, mas de poder se apropriar do que é mais autêntico em si, abraçar os elementos da sua alma, a matéria prima da sua psique. Alma, para a Psicologia Junguiana, é o nome que traduz o movimento mais profundo da psique enfatizando sua pluralidade, sua variedade e impenetrabilidade em contraste com qualquer padrão, ordem ou significado ali percebidos (Andrew Samuels – Dicionário Crítico de Análise Junguiana).
O homem em poder de sua alma pode até tirar uma selfie, mas não mais se perderá na imagem alí refletida.
Alessandra Munhoz Lazdan
Psicóloga
CRP 06/69627